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MENSAGEM Nº 21/2012

Corumbá, 17 de setembro de 2012.

Senhor Presidente,

Com os meus cumprimentos, comunico a essa augusta Câmara Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que, autorizado pelo § 1º do art. 65 da Lei Orgânica do Município de Corumbá, decidi impor VETO TOTAL ao projeto de lei nº 2.270/2012, que “Dispõe Sobre Procedimento para Implantação de Licenciamento dos Ciclomotores no Município de Corumbá, Estabelece Valores para Cobrança de Taxa de Licença, e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, passo a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o nobre vereador autor da proposição disciplinar o registro e o licenciamento de veículos ciclomotores, como condição para sua propriedade e utilização como meio de locomoção em toda a extensão do território do Município de Corumbá.

Em que pese a boa intenção do autor, a proposição padece de vício de iniciativa, uma vez que trata da implantação de uma política a ser executada pelo Poder Executivo, com a criação de atribuições para órgãos do Poder Executivo Municipal, vulnerando o inciso III do art. 62 da Lei Orgânica do Município - LOM, que prescreve que são de iniciativa exclusiva do Prefeito as leis que disponham sobre criação, estruturação e atribuições das Secretarias, Departamentos ou Diretorias equivalentes e órgãos de Administração Pública.

Com efeito, o projeto de lei atribui ao Município, por intermédio da Agência Municipal de Trânsito e Transporte – AGETRAT, uma nova atribuição, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades de determinado grupo de pessoas, restando caracterizada a criação de nova modalidade de serviço público, incumbência essa privativa do Prefeito Municipal.

A Sua Excelência o Senhor

Vereador EVANDER JOSÉ VENDRAMINI DURAN

Presidente da Câmara Municipal

CORUMBÁ – MS

A proposição atribui à AGETRAT entidade da administração indireta municipal, a incumbência de realizar as atividades de registro, licenciamento anual e emplacamento de ciclomotores, emissão de Certificado de Registro de Veículo (CRV), criação de um banco de dados, dentre outras, violando flagrantemente o predito dispositivo da LOM.

É pacífico na jurisprudência o entendimento sobre a inconstitucionalidade formal na criação da lei, no que se refere à cláusula de reserva de iniciativa do processo legislativo, conforme demonstra o seguinte julgado:

“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o

processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.” (STF-Pleno- ADI nº 1.391-2/SP- Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 28.11.1997, p. 62.216.)

À vista do vício de iniciativa do processo legislativo, o projeto de lei resultante está eivado de flagrante inconstitucionalidade formal, motivo pelo qual faz-se necessária a imposição do veto jurídico.

Outro obstáculo à sanção da lei é o comando contido no art. 9º da proposição, que se encontra redigido nos seguintes termos:

“Artigo 9º Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a regulamentar, por Decreto, as disposições desta Lei, no prazo de noventa dias.”

Conquanto o legislador tenha utilizado o verbo “autorizar”, a regra revela-se impositiva, porque a parte final do dispositivo fixa um prazo de noventa dias para a regulamentação da lei. Se existe prazo para a prática do ato, o caráter de “autorização” da norma fica absolutamente esvaziado de sentido, dando lugar a uma imposição legal ao Prefeito Municipal.

Assim, por meio do dispositivo acima transcrito, o legislador municipal impõe ao Poder Executivo a obrigação de regulamentar a lei, bem como fixa prazo para a edição do regulamento.

Essa regra é manifestamente inconstitucional, por agredir a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município - LOM, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar lei.

O inciso III do art. 82 da Lei Orgânica do Município expressamente prescreve que compete privativamente ao Prefeito Municipal expedir decretos para fiel execução da lei. Diante disso, observa-se que o transcrito art. 9º do projeto de lei é totalmente impróprio, inadequado e inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou reiteradas vezes nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação da lei.

Ademais, o art. 2º da Carta Magna da República taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Dessa norma constitucional se abstrai que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência. Aliás, visando a preservar a necessária harmonia das relações institucionais, nenhum Poder pode se imiscuir na competência privativa de outro.

O exercício do poder regulamentar do chefe do Poder Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos Poderes, na forma consagrada no já citado art. 2º e elencada como cláusula pétrea pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Esse munus do Prefeito Municipal será exercido de acordo com a necessidade, a oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta o caro princípio constitucional da separação dos Poderes.

Neste particular, também, o projeto de lei sob comento encontra-se eivado de vício de inconstitucionalidade, não podendo, assim, ser sancionado e convertido em lei.

Mas, as impropriedades que obstaculizam a sanção do texto em comento não param por aqui. Volvendo ao tema do caráter de “autorização” da norma e aos aspectos referentes à iniciativa do processo legislativo, há uma frágil discussão acerca da possibilidade de o Poder Legislativo propor projetos em matérias reservadas ao impulso inicial do chefe do Poder Executivo, desde que o texto aprovado se atenha a “autorizar” a adoção de determinadas medidas administrativas.

Esse entendimento, frágil como já se disse, não encontra qualquer fundamento nos textos da Constituição Federal ou da Constituição Estadual, tampouco na Lei Orgânica do Município de Corumbá. Aliás, essa tese há tempos já vem sofrendo críticas duríssimas, tanto na seara doutrinária quanto na jurisprudência.

A fim de “exorcizar” de uma vez por todas essa débil teoria acerca das ditas “leis autorizativas” assim se pronuncia o Desembargador Vasco Della Giustina, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“A circunstância de ser a lei, meramente ‘autorizativa’ e não ‘determinativa’ não elide, não suprime, não elimina o fato de estar ela dispondo – ainda que de forma meramente ‘autorizativa’ – sobre matéria que é reservada á iniciativa privativa do Poder Executivo... Em suma, a natureza teleológica da lei, seja ela para ‘autorizar’ ou para ‘determinar’, não elide a inconstitucionalidade por vício de iniciativa.” (Leis Municipais e seu Controle pelo Tribunal de Justiça, Livraria do Advogado. p.p. 168-9)

A par dos vícios de inconstitucionalidade apontados, a proposição em apreço contém outras imperfeições de menor relevo, mas que também constituem óbice à sua conversão em lei.

Um desses problemas menores refere-se à denominação do órgão executivo de trânsito do município. O texto do projeto de lei faz alusão à “Agência Municipal de Transporte - AGETRAT”, quando, em verdade, a correta denominação da autarquia é “Agência Municipal de Trânsito e Transporte - AGETRAT”.

Outro defeito da redação do projeto, este um pouco mais grave que anterior, diz respeito à menção que o texto faz a um certo “ANEXO I”, que deveria conter o modelo da placa identificadora a ser fixada nos ciclomotores. Trata-se aqui de um defeito que se desdobra em dois.

Primeiro, conquanto o texto refira-se expressamente ao dito “ANEXO I”, ele simplesmente não existe, de sorte que o modelo da placa identificadora não foi determinado pelo projeto.

E, segundo, pelo prisma da numeração, a proposição deveria mencionar apenas “Anexo” ou “Anexo Único” tendo em vista que, se há apenas um anexo, não faz sentido numerá-lo como anexo I. Esse recurso deve ser utilizado apenas quando há mais de um anexo, de forma que fiquem organizados como anexos I, II, III e assim sucessivamente. No caso em exame, o texto do projeto não se refere a qualquer outro anexo.

Por derradeiro, os dispositivos do projeto de lei relativos às taxas pelos serviços a serem prestados pela Poder Público aos contribuintes fixam valores aleatórios, que não correspondem necessariamente aos custos de tais serviços.

É razoável supor que esses custos serão, mais ou menos, equivalentes aos suportados pelo Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul – DETRAN-MS, para prestar as mesmas espécies de serviços.

Entretanto, os valores previstos na proposição vetada foram fixados em patamares bem inferiores aos do DETRAN-MS; algo em torno de 20% dos valores cobrados pelo Estado, para prestar os serviços de primeiro emplacamento, licenciamento anual, transferência de propriedade, emissão de segunda via do Certificado de Registro de Veículo (CRV), alteração de dados e baixa do veículo.

Portanto, considerando que o projeto de lei sob análise conflita com o ordenamento jurídico constitucional, notadamente no que se refere à iniciativa do processo legislativo e à ofensa ao princípio da independência dos Poderes, a par de apresentar outros defeitos que impossibilitam sua sanção, alternativa não me resta a não ser impor o presente veto total, contando com a compreensão e aquiescência dos nobres senhores Vereadores, para que o mesmo seja mantido.

Atenciosamente,

RUITER CUNHA DE OLIVEIRA

Prefeito Municipal