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M E N S A G E M  Nº  009/2023

Excelentíssimo Senhor

Vereador UBIRATAN CANHETE DE CAMPOS FILHO

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 009/2023, o qual “Institui o Programa Medicamento em Casa no Âmbito do Município de Corumbá - MS, e dá outras providências”, pelos fatos e fundamentos que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

I-     RELATÓRIO:

O respectivo Projeto de Lei pretende instituir no âmbito do município de Corumbá, o Programa Medicamento em Casa, através da Secretaria Municipal de Saúde.

II - DA ANÁLISE DA MATÉRIA:

II - (A) DAS ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS DO PODER EXECUTIVO:

Análise do PL especificamente os artigos: 1º, 2º, 3º, 4º, Parágrafo único do art. 5º e 7º.

Embora meritório o incentivo do Legislativo local, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional vigente, uma vez que a norma diz respeito a atos inerentes à função do poder executivo.

Da análise dos artigos supracitados, são impostas obrigações ao município, como por exemplo: “Fica o Poder Executivo responsável por realizar a distribuição...”, “a periodicidade da entrega será mensal”, “o Poder Executivo Municipal avaliará”, “as despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário”. Atribuições e imposições que estariam umbilicalmente ligadas a Secretaria Municipal de Saúde, movimentando suas gerências e superintendências.

Muito embora não se discuta o mérito da normativa em questão, impera assinalar que o regramento vergastado teve leito em projeto de lei de origem parlamentar. Como tal, padece de mácula formal de

inconstitucionalidade, por vício de iniciativa.

Na hipótese em relevo, não havia espaço para a iniciativa do Poder Legislativo, posto que, na melhor exegese do artigo 89 da Constituição Estadual, aplicável aos municípios ex vi do artigo 13 e 14, da mesma Carta, incumbe ao Chefe do Poder Executivo, privativamente, a iniciativa de leis que versem sobre criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da Administração Pública.

Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Federal e Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, conforme preveem os seguintes artigos, vejamos análise das normas:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

CONSTITUIÇÃO ESTADUAL MS

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

Art. 89. Compete privativamente ao Governador do Estado:

IX - dispor sobre a estrutura, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração estadual;

Por esse motivo, a Constituição Estadual, no inciso IX, do art. 89, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública e, consequentemente, sobre os serviços públicos por ela prestados, direta ou indiretamente. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 17, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios, entendimento já consolidada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.

Neste sentido, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).

Assim sendo, se a Constituição atribuiu ao Poder Executivo a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos, é evidente que, pela teoria dos poderes implícitos, a ele deve caber a iniciativa das leis que tratem sobre a matéria. Essa teoria dos poderes implícitos - implied powers - surgiu no voto de Marshall, proferido no leading case McCulloch versus Maryland, de 1819, afirmando que, quando o Governo recebe poderes no sentido de cumprir certas finalidades estatais, dispõe também, implicitamente, dos meios necessários de execução. “Se o governante tem atribuições para praticar certos atos, cabe-lhe igualmente exercer aquelas que possibilitem seu exercício” (Caio Mário da Silva Pereira, em “Pareceres do Consultor-Geral da República”, v. 68, pp. 99-100).

Sendo assim, a iniciativa do processo legislativo para criação de programas, funcionamento de serviços municipais e atribuições às secretarias municipais é privativa do Poder Executivo, pois, como assinala Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (Do Processo Legislativo, São Paulo, Saraiva, p. 204).

II - (B) DAS DESPESAS SEM INDICAÇÃO DE FONTE DE RECURSO E ESTIMATIVA DO IMPACTO ORÇAMENTÁRIO-FINANCEIRO.

O PL não fora instruído com o mínimo de detalhamento de seu impacto orçamentário, inclusive, para que o Poder Executivo possa analisar se existe ou não possibilidade de sua implementação, sem ferir o orçamento já construído para o exercício de 2023.

Explica-se que o Projeto de Lei além de impor obrigações e atribuições a Secretaria Municipal de Saúde, órgãos integrantes do Executivo, gerará gastos não previstos pelo Poder Executivo, evidenciando inconstitucionalidade objetiva da norma por patente violação do artigo 167, I e II, da Constituição da República Federativa do Brasil, que tem escopo normativo fielmente reproduzido no artigo 165, I e II, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, in verbis:

São vedados:

I - início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual;

II - a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

Ainda, verificou-se que Projeto de Lei ora apreciado não indicou a fonte de financiamento para suportar as despesas para cumprimento e desenvolvimento da atividade. Sobre o tema, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000), menciona que:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Neste espeque, ainda é necessário comentar que o PL desrespeita o artigo 129, da Lei Orgânica do município de Corumbá, in verbis:

Art. 129 Nenhuma lei que crie ou aumente despesa será executada sem que dela conste a indicação do recurso para atendimento do correspondente encargo.

Sob esse aspecto, é de se notar que a instituição de programa gera despesa para o Município que não está coberta pela lei orçamentária, o que se incompatibiliza com o regramento constitucional.

Inclusive, o próprio Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infringem esses comandos:

E M E N T A - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. AFASTADA. PROCESSO LEGISLATIVO. ATO COMPLEXO. NECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO DO PODER EXECUTIVO. MÉRITO. LEI MUNICIPAL DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO QUE CRIA DESPESA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. SUBVENÇÃO PELO PODER PÚBLICO DE MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LAICIDADE DO ESTADO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. O município detém legitimidade passiva para figurar no polo passivo da ação direta de inconstitucionalidade, eis que a edição de lei caracteriza ato complexo, o qual, inclusive, depende de sanção pelo Poder Executivo. É de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal a criação de leis que acarretam despesas para a municipalidade, padecendo, portanto, de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a lei que gera ônus ao orçamento municipal. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios subvencionar manifestações religiosas, sob pena de violação ao princípio constitucional da laicidade do Estado. (TJ-MS - ADI: 20000018220168120000 MS 2000001-82.2016.8.12.0000, Relator: Des. Sérgio Fernandes Martins, Data de Julgamento: 07/11/2017, Órgão Especial, Data de Publicação: 26/02/2018)

EMENTA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DO MUNICÍPIO EM CONSTRUIR E CONSERVAR PASSEIOS PÚBLICOS - INICIATIVA DA CÂMARA MUNICIPAL - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DE PODERES E LIVRE INICIATIVA - VÍCIO FORMAL - PRECEDENTE ANTERIOR - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Considerando que os dispositivos legais aplicados à matéria atribuem ao prefeito municipal a competência exclusiva para legislar sobre

a matéria relacionada a serviços públicos que acarretam redução de

arrecadação ou aumento de despesas públicas a serem suportadas pela Administração Pública Municipal, não permite a Câmara Municipal apresentar projeto de lei, sob pena de ocorrer inconstitucionalidade formal. TJMS. Direta de Inconstitucionalidade - Nº 1405483-94.2015.8.12.0000. Rel. Desembargador Divoncir Schreiner Maran. Julgamento 11.5.2016.

Instada a se manifestar, a Secretaria Municipal de Saúde, por meio do processo administrativo nº. 14221/2023, opinou pelo veto do PL. Isto porque:

(...) “Outro ponto a ser destacado é que o município possui o Serviço de Atenção Domiciliar (Melhor em Casa) que realiza ações de “ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação, com garantia da continuidade do cuidado e integrada à Rede de Atenção à Saúde[1]”.

Assim, os usuários que se enquadram nos critérios do Serviço de Atenção Domiciliar poderão receber os medicamentos, conforme o Manual de Monitoramento e Avaliação - Programa Melhor em Casa[1]:

Fonte: RAAS, e-SUS AD ou registros locais

Periodicidade: mensal.

Análises permitidas pelo indicador:

. A capacidade de acompanhamento de usuários da equipe está diretamente relacionada à estrutura do SAD (veículos, acesso a insumos e medicamentos), à relação qualificada do SAD com a Rede de Atenção à Saúde, à capacidade da Atenção Básica de assumir a Atenção Domiciliar de pacientes AD1 e ao tempo de permanência dos pacientes no SAD. Em relação a este último, observa-se que, quanto menor o tempo necessário de permanência do usuário em AD, com possibilidade de alta oportuna para a Atenção Básica quando indicado, maior a possibilidade de rotatividade dos usuários no SAD. Segundo a normativa vigente da Atenção Domiciliar (BRASIL, 2013), espera-se uma média de 60 pacientes por mês para cada EMAD tipo I e 30 pacientes por mês para cada EMAD tipo II.” (...)

Na mesma manifestação, a Secretaria Municipal de Saúde continua, destacando que não fora levado em consideração o impacto financeiro-orçamentário que o programa geraria aos cofres públicos, in verbis:

(...) “Por último, não foi levado em consideração o impacto que a referida política pública gerará aos cofres municipais, visto que para a instituição do programa esta Secretaria de Saúde deverá dispor de veículo exclusivo, motorista, combustível, manutenção e contratação de um farmacêutico para a dispensação; ou mesmo a contratação de empresa para que realize tal serviço.

Conforme informações da Gerência de Gestão Estratégica, “não há como assumir novos compromissos que gerarão dispêndios imprevistos, pois não há a previsão de novas receitas e não ser aquelas que já são rubricadas para a execução de despesas insuficientemente dotadas porém, previamente pactuadas, oriundas a um aumento pontual esperado e devidamente financiado pela União, Estado e/ou Município”. (...)

Neste sentido, em que pese a louvável intenção do Parlamento municipal em promover a qualidade de vida e instituir programa, a inconstitucionalidade dos dispositivos do Projeto fica evidente, uma vez que traz um conjunto de ações e atribuições que impõe, inclusive, reserva de orçamento para tanto.

III. DISPOSITIVO FINAL

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos do PL, diante dos apontamentos acima alinhados, o Projeto de Lei não pode ser sancionado, vez que, em assim sendo, estar-se-á legislando sob a égide da ilegalidade, em razão de padecer de vício de inconstitucionalidade formal e material, nos termos dos tópicos deste, razão pela qual apresento veto integral e total ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

Destacamos que, nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 173 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Corumbá, para que, pela via política, o Prefeito apresente no âmbito de sua competência o projeto ao Legislativo, afastando assim, a ocorrência do vício de iniciativa.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CORUMBÁ,

EM 09 DE MAIO DE 2023

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO DE CORUMBÁ