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M E N S A G E M  Nº  02/2023

Excelentíssimo Senhor

Vereador UBIRATAN CANHETE DE CAMPOS FILHO

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 104/2022, o qual “Autoriza o Poder Executivo Municipal a Celebrar Termo de Parceria com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, e demais Organizações da Sociedade Civil - OSC, para os fins que especifica e dá outras providências”, pelos fatos e fundamentos que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

I-     RELATÓRIO:

A proposta pretende autorizar o Poder Executivo a celebrar Termo de Parceria com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, e demais Organizações da Sociedade Civil - OSC, para os fins que especifica.

Trata-se, portanto, de uma proposta legislativa que busca autorizar o Poder Executivo a tomar determinada atitude.

II - DA ANÁLISE DA MATÉRIA:

DAS ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS DO PODER EXECUTIVO:

Trata-se de matéria de lei autorizativa, entretanto, com diversas imposições aos órgãos e titulares da administração direta, como é o caso do art. 2º, 5º,  6º, 7º, 8º e seguintes do Projeto de Lei nº. 104/2022

Inevitavelmente os projetos autorizativos indiretamente estão legislando sobre determinada matéria, buscando influenciar o Poder Executivo a implementar determinada iniciativa ou política pública. Ao propor uma lei nesse formato, o legislador está escolhendo uma das seguintes possibilidades: (i) autorizar o Poder Executivo a fazer algo que seria de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, de modo que o legislador não poderia tomar essa iniciativa e, por esse motivo, cria uma lei autorizando a atuação do Executivo; ou (ii) autorizar o Poder Executivo a fazer algo que já seria de competência do legislador, seja de forma exclusiva, seja concorrentemente ao Poder Executivo, de modo que o próprio parlamentar poderia propor a lei diretamente.

A presente propositura está inserida no primeiro caso, pois versa sobre a celebração de termos de parcerias com OSC e OSCIP no âmbito da Administração Pública municipal e acaba por disciplinar matéria ligada primordialmente à função constitucional de administrar, deferida ao Chefe do Poder Executivo, a quem pertence, com exclusividade, a iniciativa da lei, quando necessária.

Com efeito, originadas do postulado básico que norteia a divisão funcional do Poder, temos as regras previstas no artigo 84, incisos II e VI, alínea “a”, da Constituição Federal, refletidas na Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, que atribuem ao Governador competência privativa para dispor sobre matéria de cunho administrativo e exercer a direção superior da administração estadual, praticar os demais atos de administração e dispor, mediante decreto sobre organização e funcionamento da administração estadual e, com exclusividade, deflagrar o processo legislativo, quando a edição de lei for necessária para concretizar a medida.

Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios, entendimento já consolidada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

Como a propositura trata de aspectos de ordem técnica e operacional, a serem avaliados segundo critérios próprios de planejamento deferidos constitucionalmente ao Poder Executivo, no exercício precípuo da função de administrar, desrespeita, ainda, as limitações decorrentes do princípio da separação dos Poderes (artigo 2º, da Constituição Federal).

Não obstante, o fato do projeto ser autorizativo não afasta o vício de iniciativa, havendo usurpação da competência legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, sendo exatamente este o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como se observa:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei nº 1.595/2011 editada pelo Estado do Amapá - Diploma Legislativo de caráter autorizativo que, embora veiculador de matérias submetidas, em tema de processo de formação das leis, ao exclusivo poder de instauração do chefe do Executivo, resultou, não obstante, de iniciativa parlamentar - Servidor público estadual - Regime jurídico - Remuneração - Lei Estadual que “autoriza o poder executivo a realinhar o subsídio dos servidores agentes e oficiais de polícia Civil do Estado do Amapá” - Usurpação do poder de iniciativa reservado ao Governador do Estado - Ofensa ao princípio constitucional da separação de poderes - Inconstitucionalidade formal - Reafirmação da jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal - precedentes - parecer da procuradoria-geral da república pela inconstitucionalidade - Ação Direta julgada procedente.

(Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.724/AP - Rel. Min. Celso de Mello - 01/08/2018)

Ainda que a lei contenha autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade. Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública, assunto da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei.

Neste sentido, o doutrinador Sergio Resende de Barros, ao analisar a natureza das leis autorizativas, ensina que:

“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).

A lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional.

Neste sentido, em que pese a louvável intenção do Parlamento municipal em promover diretrizes para o desenvolvimento local, a inconstitucionalidade dos dispositivos do Projeto fica evidente, uma vez que impõe obrigações para unidades administrativas do Poder Executivo municipal e invade competências do Chefe do Poder Executivo Municipal.

III. DISPOSITIVO FINAL

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos do PL, diante dos apontamentos acima alinhados, o Projeto de Lei não pode ser sancionado, em razão de padecer de vício de inconstitucionalidade formal e contrário ao interesse público, nos termos dos tópicos deste, razão pela qual apresento veto integral ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CORUMBÁ,

EM 09 DE JANEIRO DE 2023

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO DE CORUMBÁ