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M E N S A G E M  Nº  45/2023

Excelentíssimo Senhor

Vereador UBIRATAN DE CAMPOS FILHO

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 058/2023, o qual “Dispõe sobre a disponibilização do Código QRCODE em todas as placas de obras públicas no âmbito do município de corumbá - MS, para leitura e fiscalização eletrônica por dispositivos móveis e dá outras providências”, pelos fatos e fundamentos que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

I-     RELATÓRIO

O respectivo Projeto de Lei pretende instituir no município de Corumbá a disponibilização do Código QRCODE em todas as placas de obras públicas no âmbito do município de Corumbá, para leitura e fiscalização eletrônica por dispositivos móveis

Entretanto, no art. 1º e demais arts. do PL em comento, o D. Vereador, impôs ao Poder Executivo Municipal o dever de, em forma eletrônica e em formato de Código de Barra Bidimensional QR CODE, em todas as placas de obras públicas. O projeto de Lei não foi instruído com estimativa do custo e também não acompanhou impacto orçamentário-financeiro a ser suportado pelo Poder Executivo para atendimento do PL.

II - DA ANÁLISE DA MATÉRIA

Eminentes Vereadores, compreendendo a nobre intenção desta casa legislativa, bem como o fim visado pelo projeto, observa-se que o presente projeto não guarda a necessária característica propositiva, revelando-se de caráter impositivo ao Poder Executivo e, neste aspecto, considerando as definições constitucionais, transgrediu o processo essencial de formação das Leis, ao impor modus operandi para elaboração de placas públicas referentes obras, disponibilização de Código de Barra Bidimensional QRCODE, em cada obra pública do município, em arrepio ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes, consagrado no art. 2º, da Constituição Federal.

Neste ponto é que se destaca que o controle de constitucionalidade da norma, haja vista que o mesmo deve ser compreendido quanto aos aspectos formais e materiais, e devem estar de acordo com a forma e conteúdo instituída pela constituição Federal e pelo princípio da simetria, pela Constituição Estadual e pela Lei Orgânica do Município.

Ao município compete legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e estadual no que couber, entre outras competências previstas nos o incisos do art. 30 da Constituição Federal. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Federal e Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, conforme preveem os seguintes artigos, vejamos análise das normas:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

CONSTITUIÇÃO ESTADUAL MS

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

Art. 89. Compete privativamente ao Governador do Estado:

IX - dispor sobre a estrutura, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração estadual;

Por seu turno, o art. 62, da Lei Orgânica do Município dispõe que é atribuição exclusiva do Prefeito dispor de leis que estabeleçam atribuições as unidades do Poder Executivo. In verbis:

Art. 62 São de iniciativa exclusiva do Prefeito as leis que disponham sobre:

III - criação, estruturação e atribuições das Secretarias, Departamentos ou Diretorias equivalentes e órgãos de Administração Pública;

Da análise dos dispositivos mencionados acima se constata facilmente que compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativa de leis que disponham sobre a criação de atribuições dos órgãos da Administração Pública e o modo como suas atribuições serão desenvolvidas.

Com efeito, as leis que tratam da organização e administração da cidade, em âmbito municipal, inexoravelmente, são de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo local, qual seja, o Prefeito.

Nos entes políticos da Federação, assim dividem-se as funções de governo: o Executivo foi incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão.

Essa repartição de funções decorre da incorporação à Constituição Federal do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.

Por pertinente, confira-se a lição doutrinária de Hely Lopes Meirelles:

A administração municipal é dirigida pelo Prefeito, que, unipessoalmente, como Chefe do Executivo local, comanda, supervisiona e coordena os serviços de peculiar interesse do Município, auxiliado por Secretários Municipais ou Diretores de Departamento, conforme a organização da Prefeitura e a maior ou menor desconcentração de suas atividades, sendo permitida, ainda, a criação das autarquias e empresas estatais, visando à descentralização administrativa. (Direito administrativo brasileiro, 31.ed., São Paulo: Malheiros, 2005, pág. 766.)

Na mesma toada, o i. Doutrinador, em sua obra Direito municipal brasileiro, pág. 541, dispõe que:

Leis de iniciativa exclusiva do prefeito são aquelas em que só a ele cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que disponham sobre matéria financeira; criem cargos, funções ou empregos; fixem ou aumentem vencimentos ou vantagens de servidores, ou disponham sobre o seu regime funcional; criem ou aumentem despesas, ou

reduzam a receita municipal.

Sobre o tema o Supremo Tribunal Federal já se posicionou  nos seguintes termos:

"O princípio constitucional da reserva da administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (..). Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultravires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar O dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais." (STF- Tribunal Pleno. ADI-MC n.º 2.364/AL. DJ de 14/12/2001, p. 23. Rel. Min. CELSO DE MELLO). - grifo nosso

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 12.257/2006, DO ESTADO DE SÃO PAULO. POLÍTICA DE REESTRUTURAÇÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS FILANTRÓPICOS. INICIATIVA PARLAMENTAR. INOBSERVÂNCIA DA EXCLUSIVIDADE DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DESTINAÇÃO DE RECEITAS PÚBLICAS. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. PEDIDO PROCEDENTE. 1. A Lei Estadual 12.257/2006, de iniciativa parlamentar, dispõe sobre política pública a ser executada pela Secretaria de Estado da Saúde, com repercussão direta nas atribuições desse órgão, que passa a assumir a responsabilidade pela qualificação técnica de hospitais filantrópicos, e com previsão de repasse de recursos do Fundo Estadual de Saúde (art. 2º). 2. Inconstitucionalidade formal. Processo legislativo iniciado por parlamentar, quando a Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, c e e) reserva ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos. 3. Ação Direta julgada procedente. (STF - ADI: 4288 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 29/06/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 13/08/2020) - grifo nosso

O Projeto de Lei cria a obrigação tanto para a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos, como também, para outras unidades administrativas que deverão operacionalizar a implantação do QRCODE nas obras públicas e também interligar informações com o Portal da Transparência.

A despeito de atribuir obrigações e funções as unidades do Poder Executivo o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul já se manifestou de forma idêntica. In verbis:

E M E N T A - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL Nº 2.096/2017 QUE INSTITUI O PROGRAMA MUNICIPAL DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA - VÍCIO DE INICIATIVA LEGISLATIVA - INGERÊNCIA SOBRE A GESTÃO ADMINISTRATIVA - ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - IMPOSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO À SECRETARIA MUNICIPAL - AÇÃO PROCEDENTE, CONFORME PARECER DA PGJ. I - Apesar da nobre intenção do legislador local, que visa o aprimoramento da infraestrutura das escolas públicas municipais, não se pode descartar os comandos constitucionais atinentes à iniciativa do processo legislativo de acordo com o conteúdo do que nele se estabelece, sobretudo por implicar diretamente no planejamento orçamentário e na organização administrativa municipal, cuja atribuição é privativa do Poder Executivo. II - O comando da lei municipal impugnada que estabelece atribuições à Secretaria Municipal de Educação, ofende, diretamente, a competência exclusiva do Chefe do Executivo para dispor acerca da organização administrativa, conforme dispõe o art. 67, inc. II, alínea d da Constituição Estadual. (TJ-MS - ADI: 14036070220188120000 MS 1403607-02.2018.8.12.0000, Relator: Des. Marco André Nogueira Hanson, Data de Julgamento: 08/11/2018, Órgão Especial, Data de Publicação: 12/11/2018) - grifo nosso

Muito embora seja elogiável a preocupação do Legislativo com relação a disponibilização de dados para população, a verdade é que todos esses dados já são disponibilizados no portal da transparência do Município através do sítio oficial que pode ser acessado através de qualquer dispositivo móvel com disponibilidade de internet., na forma preconizada por Lei Federal. Em verdade, não se revela compatível com a ordem constitucional a criação de novas atribuições ao Poder Executivo através do Legislativo.

Importante destacar que, o contido no art. 2º, do Projeto de Lei já está disponível no Portal da Transparência, conforme determina lei federal. Destaco que nem mesmo a promulgação e sanção do Projeto teria o condão de tornar a norma constitucional, posto que vício como o que se apresenta macula o dispositivo em sua origem, conforme se colhe da jurisprudência:

A sanção do projeto de lei não convalida o vício de inconstitucionalidade resultante da usurpação do poder de iniciativa. A ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade. Insubsistência da Súmula n. 5/STF. Doutrina. Precedentes. (ADI 2.867, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-12-03, DJ de 9-2-07). No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-09, Plenário, DJE de 21-8-09; ADI 1.963-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 18-3-99, DJ de 7-5-99; ADI 1.070, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-3-01, Plenário, DJ de 25-5-01. (Sem grifo no original). - grifo nosso.

O Município, por meio de seu gestor, goza de total competência para avaliar, organizar e implantar mecanismos que propiciem o efetivo atendimento em toda a atividade administrativa, até mesmo porque, qualquer que seja a ação, culmina em obrigações e, consequentemente, aumento de despesas, como é o caso. Desse modo, é latente o vício de origem do Projeto de Lei em apreciação, uma vez que a matéria nele contida é de competência exclusiva do Poder Executivo, sendo que seu conteúdo gera aumento de despesas sem previsão de fonte de custeio.

Sobre o aumento de despesa, explica-se que o art. 8ª do Projeto de Lei 058/2023, de forma genérica dispõe que as despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias específicas ou suplementadas, se necessário. No entanto, não apontou especificamente qual fonte de custeio do projeto de lei. Ou seja, além de impor obrigações e atribuições ao Poder Executivo Municipal, gerará gastos não previstos pelo Poder Executivo, evidenciando inconstitucionalidade objetiva da norma por patente violação do artigo 167, I e II, da Constituição da República Federativa do Brasil, que tem escopo normativo fielmente reproduzido no artigo 165, I e II, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, in verbis:

São vedados:

I - início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual;

II - a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

Ainda, verificou-se que Projeto de Lei ora apreciado não indicou a fonte de financiamento para suportar as despesas para cumprimento e desenvolvimento da atividade. Sobre o tema, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000), menciona que:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Neste espeque, ainda é necessário comentar que o PL desrespeita o artigo 129, da Lei Orgânica do município de Corumbá, in verbis:

Art. 129 Nenhuma lei que crie ou aumente despesa será executada sem que dela conste a indicação do recurso para atendimento do correspondente encargo.

Nesta senda, observando-se as instruções constantes na legislação consonantes à administração pública e ao conteúdo do Projeto 058/2023, temos que este contraria os requisitos legais da Lei de Responsabilidade Fiscal no que tange à repercussão financeira e também a própria Constituição Federal, Estatual e a Lei Orgânica do Município.

III. DISPOSITIVO FINAL

Diante dos apontamentos acima alinhados, o Projeto de Lei não pode ser sancionado, vez que, em assim sendo, estar-se-á legislando sob a égide da inconstitucionalidade e ilegalidade, em razão de contrariar dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e conter vício formal, uma vez que afronta dispositivos da Constituição Federal, razão pela qual apresento veto total ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CORUMBÁ,

EM 21 DE NOVEMBRO DE 2023

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO DE CORUMBÁ