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M E N S A G E M  Nº  42/2023

Excelentíssimo Senhor

Vereador UBIRATAN CANHETE DE CAMPOS FILHO

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 055/2023, o qual “Regula no âmbito do municipal a aplicação do art. 55, inciso VI e art. 56, inciso II da Lei Federal 8.666/93, obrigando a utilização do Seguro-Garantia de Execução de Contratos Públicos e de Fornecimento de Bens ou de Serviços, denominando essa modalidade e aplicação da lei, como seguro anticorrupção - SAC, e dá outras providências”, pelos fatos e fundamentos que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

I-     RELATÓRIO

O respectivo Projeto de Lei pretende tornar obrigatória a contratação de seguro-garantia de execução de contrato pelo tomador em favor do poder público.

II - DA ANÁLISE DA MATÉRIA

II - (A) DA INVASÃO NA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA.

Com efeito, por meio do PL em comento, fica determinado ao Poder Executivo que, em contratos públicos celebrados com o Município após procedimento licitatório, seja obrigatoriamente contratado o seguro-garantia, especificando a forma como tal garantia será realizada. Vejamos a dicção do art. 1º do PL:

"Art. 1º - É obrigatória a contratação de seguro-garantia de execução de contrato pelo tomador em favor do Poder Público, em todos os contratos públicos de obras e de fornecimento de bens ou de serviços cujo valor seja igual ou superior ao limite mínimo previsto no artigo 22 inciso II (Tomada de Preços) da Lei Federal nº 8.666 de 21 de Junho de 1993 ( Lei de Licitações).

(...)

O PL em epígrafe contraria o disposto a nível federal, ao determinar, em seu art. 1º, a contratação vinculada ao fornecimento de um único tipo de garantia, qual seja, o seguro-garantia, como condição para formalização dos contratos públicos de obras e de fornecimento de bens ou de serviços com o Município de Corumbá. As matérias legislativas se enquadram tipicamente como afetas às normas gerais de licitação, contratos e seguros (art. 22, inc. VII e XXVII, CR/88), atraindo toda a regulamentação à esfera federal, não se verificando legitimidade dos Poderes Legislativos das outras esferas da Federação para atuação suplementar.

No arranjo de competências legislativas instituído pelo texto da CF/88, a responsabilidade pelo estabelecimento de normas gerais sobre licitações e contratos foi privativamente outorgada ao descortino da União (art. 22, XXVII). A Constituição Federal, ao elencar as matérias de competência privativa da União para legislar, previu:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)

VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; (...);

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III; (...)

No exercício de sua competência legislativa privativa, a União promulgou a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº. 14.133/2021, que trouxe as normas gerais sobre licitações e contratos. Os dispositivos legais das leis federais, possuem as seguintes redações:

LEI 8.666/93

Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.

§ 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:

I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;

II - seguro-garantia;

III - fiança bancária.

LEI 14.133/2021

Art. 96. A critério da autoridade competente, em cada caso, poderá ser exigida, mediante previsão no edital, prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e fornecimentos.

§ 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:

(grifo nosso)

Imperioso destacar que, nos casos das competências privativas, a regra é que seu exercício seja conferido em plenitude à respectiva esfera de poder. Isto é, o poder competente fica autorizado a normatizar todos os aspectos, gerais e específicos, das matérias submetidas à sua competência.

Como se denota, ao trazer as normas gerais sobre licitações, contratação e política de seguros, no exercício de sua competência legislativa privativa, a União já estabeleceu as possibilidades de utilização de garantias para a execução de contratos com o Poder Público: além de explicitar que a exigência de uma garantia é um critério discricionário da autoridade administrativa, ainda estabeleceu que o contratado possa optar por algumas modalidades, ou seja, além do seguro-garantia, pode valer-se também de uma fiança bancária ou mesmo uma caução em direito ou títulos da dívida pública.

Analisando o Projeto de Lei em epígrafe, é se de declarar a inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº. 055/2.023, isto porque, viola substancialmente a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais atinentes a licitações, contratos e seguros. Inclusive, o E. Supremo Tribunal Federal já possuem precedentes sobre a questão.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 3.041/05, DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES COM O PODER PÚBLICO. DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA HABILITAÇÃO. CERTIDÃO NEGATIVA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DO CONSUMIDOR. DISPOSIÇÃO COM SENTIDO AMPLO, NÃO VINCULADA A QUALQUER ESPECIFICIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR INVASÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA (ART. 22, INCISO XXVII, DA CF). 1. A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida pela Constituição (art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante o estabelecimento de condições de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela autoridade responsável pela condução do processo licitatório, que poderá estabelecer elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e econômica, sempre vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas. 2. Somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. 3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a Administração local. 4. Ao dispor nesse sentido, a Lei Estadual 3.041/05 se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos, e, com isso, usurpou a competência privativa da União de dispor sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF - ADI: 3735 MS, Relator: TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 08/09/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 01/08/2017) - (GRIFO NOSSO)

Por fim, tais imposições cogentes - obrigatórias e vinculadas - do Projeto de Lei, além de contrariarem a legislação federal, mostram-se hábeis a causarem um impacto negativo no próprio alcance dos interessados possíveis do procedimento licitatório, restringindo de forma desarrazoada o número daqueles que poderiam disputar o certame para tal contratação, violando, em última análise, a própria finalidade da licitação, que é obter, de modo isonômico e impessoal, o contrato mais vantajoso para o erário.

Neste sentido, em que pese à boa intenção do legislador, nos termos da cristalina leitura dos comandos legais retromencionados, a garantia é instrumento que fica a critério da autoridade competente e não uma imposição obrigatória. Assim sendo, o Projeto de lei contraria Lei Federal e invade competência privativa da União, ensejando a inconstitucionalidade formal.

II - (B) INVASÃO NA COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL.

Além do Projeto de Lei invadir competência privativa da União, também invade a atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo para escolher as medidas de gestão administrativa, em ofensa ao princípio da separação dos poderes. Tem-se, assim, de matéria afeta exclusivamente à esfera executiva, pois, devido a seu detalhamento, imiscuiu-se na própria gestão da administração pública municipal, atribuição que, como se sabe, toca ao Poder Executivo.

Por consequência disso, a norma objurgada também positiva flagrante desrespeito ao princípio da harmonia e independência entre os poderes, consagrado no artigo 17 da Constituição Estadual, vez que, como apontado, interfere indevidamente na gestão comunal de atribuição do Prefeito Municipal.

Em raciocínio lógico, cumpre-nos consignar que a discussão relativa a vício de iniciativa no processo legislativo é de inegável relevância dos pontos de vista jurídico e político, mormente quando se cogita desrespeito à competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Aqui, dispõe sobre a imposição de diversas atribuições às unidades e órgãos da administração municipal.

A Constituição Estadual, no inciso IX, do art. 89, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública e, consequentemente, sobre os serviços públicos por ela prestados, direta ou indiretamente. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 2º, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios, entendimento já consolidada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

Tanto o é que, a própria Lei Orgânica do Município de Corumbá dispõe o que segue:

Art. 62 São de iniciativa exclusiva do Prefeito as leis que disponham sobre:

III - criação, estruturação e atribuições das Secretarias, Departamentos ou Diretorias equivalentes e órgãos de Administração Pública;

Esse é o entendimento pacificado na Corte do Supremo Tribunal Federal, vejamos jurisprudência:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F., art. 61, § 1º, II, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo. I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F., art. 61, § 1º, II, e, art. 84, II e VI. II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros. III. - Precedentes do STF. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF - ADI: 2719 ES, Relator: CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 20/03/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 25/04/2003) - GRIFO NOSSO

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Artigos 238 e 239 da Constituição do estado do Rio Grande do Sul. 3. Lei estadual n. 9.726/1992. 4. Criação do Conselho de Comunicação Social. 5. O art. 61, § 1º, inciso II, alínea a da Constituição Federal, prevê reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para criação e extinção de ministérios e órgãos da administração pública. 6. É firme a jurisprudência desta Corte orientada pelo princípio da simetria de que cabe ao Governador do Estado a iniciativa de lei para criação, estruturação e atribuições de secretarias e de órgãos da administração pública. 7. Violação ao princípio da separação dos poderes, pois o processo legislativo ocorreu sem a participação chefe do Poder Executivo. 8. Ação direta julgada procedente. (STF - ADI: 821 RS, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 02/09/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 26/11/2015) - GRIFO NOSSO

Neste sentido, em que pese a louvável intenção do Parlamento municipal, a inconstitucionalidade dos dispositivos do Projeto fica evidente, uma vez que impõe obrigações para unidades administrativas do Poder Executivo municipal.

Nesta senda, observando-se as instruções constantes na legislação tributária consonantes à administração pública e ao conteúdo do Projeto 055/2023, temos que este contraria os requisitos legais da Constituição Federal, da Constituição Estadual e até da Lei Orgânica do Município.

III. DISPOSITIVO FINAL

Diante dos apontamentos acima alinhados, o Projeto de Lei não pode ser sancionado, vez que, em assim sendo, estar-se-á legislando sob a égide da inconstitucionalidade material e formal, além da patente ilegalidade, em razão de contrariar dispositivos da Constituição Federal e Lei Federal, razão pela qual apresento veto total ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

PREFEITURA DE CORUMBÁ,

EM 08 DE NOVEMBRO DE 2023

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO DE CORUMBÁ