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Corumbá nº2467 de 04/08/2022

MENS 422022- VETO TOTALCRIAÃ+O DE LEI MUNICIPAL DE INOVAÃ+O E EMPREENDENDORISMO

M E N S A G E M  Nº  42/2022

Excelentíssimo Senhor

Vereador ROBERTO GOMES FAÇANHA

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 023/2022, o qual “Dispõe sobre a criação da Lei Municipal de Inovação e Empreendedorismo Digital de Corumbá, a qual irá subsidiar o desenvolvimento de um sistema de inovação que visa o estímulo, o incentivo e a promoção de startups, de suas estruturas de apoio, manutenção e funcionamento”, pelos fatos e fundamentos que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

O projeto de lei possui como cerne central instituir no município de Corumbá, Lei Municipal de Inovação e Empreendedorismo Digital de Corumbá, a qual irá subsidiar o desenvolvimento de um sistema de inovação que visa o estímulo, o incentivo e a promoção de startups, de suas estruturas de apoio, manutenção e funcionamento.

Em que pese a louvável iniciativa do Vereador autor do Projeto em pauta, apresento VETO TOTAL ao referido Projeto de Lei, em razão do mesmo sofrer de vício de  iniciativa, sendo, portanto, inconstitucional pelas razões a seguir expostas:

Do princípio da separação de poderes (divisão funcional do poder) constante do art. 89 da Constituição Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul, decorre a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo dispor sobre a estrutura, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração estadual; (VI, art. 89) iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; a prática dos demais atos de administração nos limites de sua competência e a disposição, mediante decreto, da organização e funcionamento da administração, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Tais disposições são aplicáveis aos Municípios por força do art. 13, 14 e 15 da Constituição Estadual.

Na cristalina leitura dos art. 1º, 2º e 3º do Projeto de Lei em comento, percebemos que, atribuições e obrigações foram conferidas ao Poder Executivo Municipal, estas que demandam, sobretudo, destinação de orçamento para pleno desenvolvimento, entretanto, o PL não está acompanhado de previsão orçamentária e financeira para seu fiel cumprimento.

Imperioso estabelecer que os comandos dos artigos 27, 28, 29, VI; 37, X; 48, XV; 51, IV; 52, XIII; 61, §1º; 64; 93; 125; 128, §5º; 165; 167-B da Constituição Federal de 1988 (CF/88) são exemplos de iniciativa privativa.

Nos ensinamentos do D. José Afonso da Silva pontifica que "a razão para que se atribui ao chefe do Executivo o poder de iniciativa decorre do fato de a ele caber a missão de aplicar uma política determinada em favor das necessidades do País; mais bem informados do que ninguém das necessidades, e dada a complexidade cada vez maior dos problemas a se resolver, estão os órgãos do Executivo tecnicamente mais bem aparelhados do que os parlamentares para preparar os projetos de leis"

Já a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000), menciona que:

Art. 5o O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:

II - será acompanhado do documento a que se refere o http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado;

O §1º, do art. 3º, prevê que campanhas e ações de incentivo poderão ser realizadas pelo Poder Executivo, sendo certo que para tanto, o Poder Executivo deverá destinar orçamento para desenvolvimento e cumprimento dos dispositivos mencionados, no entanto, o Projeto de Lei não apontou a estimativa de impacto no orçamento do município, inclusive para, em momento oportuno, ser inserido nas diretrizes orçamentárias.

Já o art. 4º do PL, prevê que o Poder Executivo auxiliará nos procedimentos necessários à simplificação e à agilidade na abertura de empresas com natureza de startups.

Em que pese a louvável intenção do Parlamento municipal em promover a criação e a manutenção de startups em Corumbá/MS, por meio de normas que incentivam a inovação e o empreendedorismo, a inconstitucionalidade dos dispositivos do Projeto fica evidente a partir do art. 2º, que estabelece diversas obrigações para órgãos vinculados ao Poder Executivo. O dispositivo traz um conjunto de ações e atribuições que impõe, inclusive, reserva de orçamento para tanto.

Ocorre que o referido Projeto decorre de iniciativa parlamentar e, no atual arcabouço normativo brasileiro, há a garantia de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para  apresentar projetos de lei que versem sobre atribuições dos órgãos da Administração Pública, sob pena de afronta à separação dos Poderes (art. 2º da CF).

De outro ângulo, em se tratando de processo legislativo é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

Nestes termos, o presente PL, de iniciativa parlamentar, conforme §2º, do art. 3º, cria um fundo, denominado Fundo Municipal de Inovação, estabelecendo recursos anuais para tanto.

De acordo com o art. 71 da Lei n. 4.320/64, “constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”. Já o art. 72 do mesmo dispositivo legal dispõe que a aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.

Neste ínterim, a instituição de fundo depende de autorização legislativa (art. 167, IX, Constituição Federal), demonstrando que o Projeto de Lei viola o princípio da separação de poderes porque agride a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.

Com efeito, considerando que a instituição de fundos depende de autorização legislativa (art. 165, IX, Constituição Estadual), e que estes devem ser compreendidos na lei orçamentária anual (art. 160, § 4º, I, Constituição Estadual), cuja iniciativa legislativa pertence ao Chefe do Poder Executivo (art. 160, II, Constituição Estadual), e sendo essas disposições aplicáveis aos Municípios, resulta incontestável interpretação sistemática conclusiva de que essa reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo se estende à instituição de fundos.

Imperioso consignar que, a autorização legislativa não se confunde com lei autorizativa, devendo aquela primar pela observância da reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade. Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública, assunto da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei.

Visando melhor instruir o presente veto, trazemos a baila, lição doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina que:

“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).

Este é o entendimento do E. STF, sob a argumentação da natureza autorizativa da norma e da inércia na execução da lei não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade. Essa questão foi bem examinada pela Suprema Corte que assim manifestou:

“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes a ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu sucessor, com as conseqüências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC 2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ 05-03-2004, p. 13).

Visando melhor fundamentar o presente veto, e por amor ao debate, colecionamos ensinamento jurídico constante no voto do Ministro Celso de Mello na ADI nº 776 MC, “a reserva da administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo”, in verbis:

O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado." (ADI 1391 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/1996, DJ 28-11-1997 PP62216 EMENT VOL-01893-01 PP-00172).

Pelo exposto, opta-se pela dura, porém necessária, medida do veto total, em razão de padecer de vício de inconstitucionalidade formal, razão pela qual apresento veto integral e total ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CORUMBÁ,

EM 04 DE AGOSTO DE 2022

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO MUNICIPAL