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M E N S A G E M  Nº  40/2022

Excelentíssimo Senhor

Vereador ROBERTO GOMES FAÇANHA

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 042/2022, o qual “Dispõe sobre a proibição da exposição, de qualquer forma, de crianças e adolescentes, em atividades ou eventos escolares, danças, manifestações culturais e exposições de arte que contribuam para a sexualização precoce e a erotização infantil, no âmbito do Município de Corumbá, e dá outras providências”.

RAZÕES DO VETO

I-              RELATÓRIO

O projeto de lei possui como cerne central a proibição da exposição, de qualquer forma, de crianças e adolescentes, em atividades ou eventos escolares, danças, manifestações culturais e exposições de arte que contribuam para a sexualização precoce e a erotização infantil, no âmbito do Município de Corumbá, e dá outras providências. Em que pese a louvável iniciativa da Vereadora autora do Projeto em pauta, apresento VETO TOTAL ao referido Projeto de Lei, pelas razões a seguir expostas:

II - DA ANÁLISE DA MATÉRIA

II. A) DO VÍCIO DE INICIATIVA

Preliminarmente, apesar da boa intenção da nobre Vereadora na elaboração do Projeto de lei, o mesmo invade a esfera de competência de iniciativa do Poder Executivo, padecendo de vício de iniciativa, tendo em vista que é competência privativa do Poder Executivo a organização e funcionamento da administração municipal, bem como a edição de atos e normas de planejamento, direção e organização dos assuntos de interesse local, na esfera da gestão administrativa, inclusive nas escolas municipais.

Isto porque o Projeto de lei impõe ao Poder Executivo Municipal, a cassação a autorização de realização de eventos, como também obriga as Escolas Municipais (que fazem parte da administração municipal) incluir em seu projeto pedagógico medidas de conscientização, orientação, prevenção aos temas inerentes ao Projeto de Lei, obrigação que invade inclusive a autonomia da unidade de ensino dispor sobre a política pedagógica mais adequada a sua comunidade.

Dessa forma, o Projeto de lei afronta os artigos, 2º, 25, 89, 189, da Constituição Estadual, in verbis;

Art. 2º São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições

Art. 25. A administração pública direta, indireta ou das fundações de qualquer dos Poderes do Estado obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. http://aacpdappls.net.ms.gov.br/appls/legislacao/secoge/govato.nsf/e121fad77289c54d04256c04007819fa/b4e8d21903d799b7042573bf004f6682?OpenDocument

Art. 89. Compete privativamente ao Governador do Estado:

VI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

IX - dispor sobre a estrutura, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração estadual;

Art. 189. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho.

A matéria tratada no Projeto de lei está inserida no âmbito de competência legislativa atribuída pela Constituição Federal ao Chefe do Poder Executivo Municipal, existindo, pois, vício de iniciativa a violar o princípio da separação dos poderes, conforme explicitado anteriormente.

Por mais nobre que seja o escopo da lei, certo é que o Poder Legislativo não pode impor ao Poder Executivo, ato normativo consubstanciado em violação ao princípio da Separação de Poderes, previsto no artigo 5º, e artigo 47, incisos II, XI e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144 da Carta Paulista. Isso porque cabe exclusivamente ao Poder Executivo a gestão das unidades de ensino, a formalização da política do campo pedagógico e administrativo das unidades escolares, e obrigações da Secretaria Municipal de Educação.

Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 31.ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 766, leciona a respeito das atribuições do Prefeito:

“A administração municipal é dirigida pelo Prefeito, que, unipessoalmente, como Chefe do Executivo local, comanda, supervisiona e coordena os serviços de peculiar interesse do Município, auxiliado por Secretários Municipais ou Diretores de Departamento, conforme a organização da Prefeitura e a maior ou menor desconcentração de suas atividades, sendo permitida, ainda, a criação das autarquias e empresas estatais, visando à descentralização administrativa”. E, também, na obra Direito municipal brasileiro, cit, p. 541: “Leis de iniciativa exclusiva do prefeito são aquelas em que só a ele cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que disponham sobre matéria financeira; criem cargos, funções ou empregos; fixem ou aumentem vencimentos ou vantagens de servidores, ou disponham sobre o seu regime funcional; criem ou aumentem despesas, ou reduzam a receita municipal”.

O respeito ao princípio da Separação dos Poderes é cânone constitucional, de modo que extravasa os limites da Carta Política qualquer dispositivo normativo que coloque o Poder Executivo na posição de subordinação ao comando de outro Poder, na hipótese, o Poder Legislativo.

II. B) - DA COMPETÊNCIA PARA SUPLEMENTAR LEIS FEDERAIS E ESTADUAIS: INOCORRÊNCIA.

O art. 24, inciso XV, da Constituição Federal, prevê a competência concorrente da União, dos Estados, e do Distrito Federal, para legislar sobre proteção à infância e à juventude. Nesse sentido, compete à União legislar sobre aspectos gerais e aos Estados e Distrito Federal suplementar a legislação federal no que couber. Aos Municípios também é dado suplementar a legislação federal e estadual”, mas apenas se houver interesse local.

Corroborando com tal pensamento, o e. Professor Pedro Lenza esclarece que os municípios têm competência legislativa relacionada ao interesse local, bem como para suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Mesmo nesse último caso (suplementação da legislação federal e estadual), a competência está balizada dentro do que se entende por interesse local, confira-se:

“Interesse local: art. 30, [- o interesse local diz respeito às peculiaridades e necessidades ínsitas à localidade. Michel Temer observa que a expressão “interesse local”, doutrinariamente, assume o mesmo significado da expressão “peculiar interesse”, expressa na Constituição de 1967. E completa: “Peculiar interesse significa interesse predominante ”. “Suplementar: art. 30, H - estabelece competir aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual no que couber. “No que couber” norteia a atuação municipal, balizando-a dentro do interesse local”

Por meio da Lei Federal nº 8.069/90, a União editou o Estatuto da Criança e do Adolescente. A referida lei traz normas sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, de âmbito nacional, dentre as quais se podem mencionar o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento.

No mesmo sentido, o art. 17 dispõe que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança de do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

O art. 18, por sua vez, prevê o dever de todos em velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. O referido estatuto criminaliza ações pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes, conforme se afere dos artigos 240 e 241. Destarte, as normas de proteção à criança já estão traçadas em âmbito nacional, de forma que aos municípios competiria apenas a sua suplementação, adstrita ao interesse local.

A discussão sobre o que seria uma coreografia obscena ou pornográfica, e a definição de pornográfico, erótico e obsceno, conforme conceituado no art. 1º do Projeto de Lei em comento, comparada a uma expressão artística e cultural, está além dos interesses peculiares do município, tratando-se de matéria de interesse nacional e que, portanto, não se enquadra na competência legislativa dos municípios, conforme as normas constitucionais supracitadas.

Por fim, a competência, pois, para tratar da questão jurídica trazida à baila é concorrente entre a União e os Estados, estes, de forma meramente suplementar. Aos Municípios, por sua vez, resta apenas a competência legislativa residual e esta deve estar adstrita ao interesse local, nos termos do disposto nos incisos I e II, do artigo 30 da Constituição Federal: “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.

A respeito do tema, José Afonso da Silva esclarece:

“3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR. A Constituição não inseriu os Municípios no campo da legislação concorrente estabelecida no artigo 24, em cujos parágrafos normatiza sobre a relação entre normas gerais e legislação suplementar. No entanto, admite, no inciso II, do artigo 30, a competência municipal para legislar suplementarmente à legislação federal e estadual, no que couber. É certo que o art. 24 não comporta legislação suplementar à legislação estadual, porque aí a suplementação é exclusivamente em face de norma geral federal. É certo também que nem toda matéria prevista no art. 24 tolera interferência municipal, para que se pudesse inserir os Municípios lá, juntamente com Estados e Distrito Federal. Mas em matéria de educação, cultura, ensino e desporto, assim como nas hipóteses de defesa do meio ambiente, é viável a suplementação municipal de legislação federal como de legislação estadual. Em síntese, a competência suplementar do Município só pode verificar-se em torno de assuntos que sejam também de interesse local, além de sua dimensão federal ou estadual” (in Comentário contextual à constituição, 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 314).

Portanto, já existem normas do ente competente sobre a matéria tratada neste projeto, aplicável em todo o território nacional, de modo que não há peculiaridade local que justifique a edição de normas semelhantes ou mesmo diversas nesta municipalidade.

A corroborar, colhe-se da jurisprudência, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE- LEI Nº 11.062, DE 02 DE MARÇO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE SOROCABA, QUE "DISPÕE SOBRE A GRATUIDADE DO ACESSO DE PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIAS NAS CASAS DE SHOWS E EVENTOS CULTURAIS, ESPORTIVOS E DE ENTRETENIMENTO NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE SOROCABA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS" - CAUSA DE PEDIR ABERTA - APRECIAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE, NÃO APENAS SOB O PRISMA DA CAUSA DE PEDIR VEICULADA NA INICIAL, MAS À LUZ DA AFRONTA DE QUALQUER DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL PERTINENTE - POSSIBILIDADE. A ação direta de inconstitucionalidade é processo em que a causa de pedir é aberta, permitindo ao magistrado, apreciar a (in)constitucionalidade de determinada norma ou dispositivo, não apenas sob o prisma da causa de pedir veiculada na inicial, mas à luz da afronta de qualquer dispositivo constitucional pertinente. - VIOLAÇÃO AO ARTIGO 24, INCISOS I, IX, XIV E PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO ARTIGO 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO E DOS ESTADOS - COMPETÊNCIA MUNICIPAL MERAMENTE SUPLEMENTAR - AUSÊNCIA DE PECULIARIDADES LOCAIS QUE PUDESSEM JUSTIFICAR O INTERESSE LOCAL PREVISTO NO INCISO I, DO ARTIGO 30 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - MATÉRIA, ADEMAIS JÁ TRATADA PELAS LEIS FEDERAIS Nº 12.933, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2013 E Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. [...] AÇÃO PROCEDENTE (TJSP - ADIN n.º 2044346-12.2017.8.26.0000; Rel. Amorim Cantuária, julgado em 26/07/2017).

II. C) - MANIFESTAÇÃO TÉCNICA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

Considerando a peculiaridade do Projeto de Lei, a Secretaria Municipal de Educação de Corumbá, manifestou-se quanto a proposição, esclarecendo que possui, dentro de seu calendário, ações de formações continuadas com as quais os profissionais da Educação são orientados sobre conteúdo adequado, conforme a faixa etária, incluindo recursos forjados no âmbito cultural, como audiovisuais, músicas e demais vertentes artísticas.

Afirma ainda que, a escola, como espaço de socialização e aprendizagem, não estimula práticas e ações nocivas, entre elas, a sexualização precoce e erotização infantil, alvos do citado projeto de lei. Entretanto, cabe ressaltar que a “proibição” de qualquer manifestação cultural conduz-nos para o abismo da tão nociva censura.

Em ato contínuo, destacou a D. Casa de Leis que, o recurso de “classificação indicativa” já há muito foi implantado no país, aplicando-se a conteúdos de audiovisual e também exposições artísticas, música, espetáculos de teatro e dança, isto é, já há uma ferramenta que direciona o público, conforme conteúdo, o que faz acreditar que partes do PL sejam redundantes, ou mais, inoperantes quanto à função que pretende desempenhar.

Ressalta-se que a sexualização precoce e erotização não constituem realidade na Rede Municipal de Ensino, cujo projeto pedagógico promove o acesso à cultura diversa e rica, vislumbrada numa cidade tão miscigenada como é Corumbá.

Em ato contínuo, a SEMED reafirma que a escola é um organismo vivo e reflete à sociedade onde está inserida, não podendo se exilar do ambiente extramuros, por isso mesmo traz à discussão temática da contemporaneidade e oferece contato com o que ela produz, destacando que há sempre bom senso e ferramentas que permitem fazer a seleção desse conteúdo sem o viés castrador da lei.

Faz ainda importante destaque, que na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a área de Linguagens é composta pelos seguintes componentes curriculares: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e no Ensino Fundamental Anos Finais, Língua Inglesa. A finalidade é possibilitar aos estudantes participar de práticas de linguagem diversificadas, que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em manifestações artísticas, corporais e linguísticas, como também seus conhecimentos sobre essas linguagens, em continuidade às experiências na Educação Infantil (Brasil, 2017, p. 63).

Com efeito, a Lei nº 13.278 de 2 de maio de 2016 que alterou o § 6º do art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional, referente ao ensino da arte, previu a seguinte redação: “Art. 26 § 6º - As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2º deste artigo.”.

Na BNCC, a aquisição de conhecimento gira em torno de competências. São as competências do ensino de Arte para o ensino fundamental (2017, p.199):

3 - Pesquisar e conhecer distintas matrizes estéticas e culturais-especialmente aquelas manifestas na arte e nas culturas que constituem a identidade brasileira, sua tradição e manifestações contemporâneas, reelaborando-as nas criações em Arte.

Neste sentido, manifestou-se também pelo veto total do Projeto de Lei.

II. D) MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO.

De maneira semelhante, a Procuradoria-Geral do Município manifestou-se pelo duro, porém, necessário veto total da presente proposta de lei.

Invocou comando Constitucional, afirmando que, a Constituição Federal preconiza que o ensino será ministrado com base nos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistências de instituições públicas e privadas de ensino (art. 206, II e III). Dispõe como preceitos fundamentais o direito a educação (art. 6º, c.c. os arts. 205 e 214), à liberdade de ensino, como dimensão especifica da liberdade de manifestação do pensamento do corpo docente.

Que, ao sancionar o presente Projeto de Lei, poderia acarretar um elevado grau de subjetividade na interpretação do que seria sexualização precoce e erotização.

Na mesma linha, verificou-se que o Governador do Estado de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, vetou recentemente (13/04/2022) um Projeto de Lei semelhante a este, no qual destacou a sua inconstitucionalidade. Desta maneira, a Procuradoria-Geral do Município manifestou-se pelo veto do Projeto de Lei nº. 042/2022.

III. DISPOSITIVO FINAL

Pelo exposto, opta-se pela dura, porém necessária, medida do veto total, por contrariar o art. 5º, incisos IV e IX, c.c o art. 206; art. 22, inciso XXIV; o art. 24, inciso IX e §1º, todos da Constituição Federal; o §1º, do art. 2º; art. 25; inciso VI e IX, do art. 89; art. 189 todos da Constituição Estadual; a Lei Federal nº. 9.394, de 1996; Lei Federal nº. 8069, de 1990, razão pela qual apresento veto integral e total ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CORUMBÁ,

EM 03 DE AGOSTO DE 2022

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO DE CORUMBÁ