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M E N S A G E M  Nº  63/2022

Excelentíssimo Senhor

Vereador ROBERTO GOMES FAÇANHA

Presidente da Câmara Municipal de Corumbá

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência e, por seu intermédio, aos demais Excelentíssimos Senhores Vereadores para comunicar, na forma autorizada pelo art. 65, §1º da Lei Orgânica do Município, que optei pelo VETO TOTAL ao Projeto de Lei nº. 087/2022, o qual “Cria o Programa de capacitação de Mães de Portadores de Transtorno do Espectro Autista, e dá outras providências”, pelos fatos e fundamentos que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

I-     RELATÓRIO

O respectivo Projeto de Lei pretende criar o programa com fito de proteger, capacitar e facilitar as mães de pessoas com transtorno o espectro autista, em todas as áreas pertinentes aos cuidados necessários com seus filhos.

A ação consiste, resumidamente, na capacitação, bem como a elucidação sobre o Transtorno do Espectro Autista às mães, com o propósito de estudar acerca dos cuidados em todas as áreas pertinentes, sendo realizado para tanto ações de mobilização com psiquiatras, psicólogos e demais especialidades.

II - DA ANÁLISE DA MATÉRIA

Inicialmente, cumpre-nos consignar que a discussão relativa a vício de iniciativa no processo legislativo é de inegável relevância dos pontos de vista jurídico e político, mormente quando se cogita desrespeito à independência dos Ministérios frente a Administração Pública.

O Projeto de Lei em questão tem o condão de criar o programa com fito de proteger, capacitar e facilitar as mães de pessoas com transtorno do espectro autista, em todas as áreas pertinentes aos cuidados necessários com seus filhos.

Pois bem, por meio do Projeto de Lei em comento, especificadamente em seu artigo 4º, o Poder Legislativo municipal cria obrigações ao Ministério da Saúde, na medida em que impõe ao Ministério as despesas decorrentes do programa ora mencionado.

Ocorre, que o Ministério da Saúde é órgão do Poder Executivo de âmbito Federal, responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados para a promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros.

Neste espeque, resta inconcebível a responsabilização de funções por meio de lei municipal ao órgão supracitado, considerando ser este órgão correspondente à esfera Federal com competências especificadas em Lei (Lei nº 1.920, de 25 de julho de 1953).

Dá análise do art. 2º, o PL impõe que o Sistema Único de Saúde coordenará o programa criado. Entretanto, a Lei Federal nº. 8.080, de 18 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, já menciona as atribuições em cada nível federado, in verbis:

Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:

I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;

II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção estadual;

III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e aos ambientes de trabalho;

Não encontra respaldo legal nas competências do município instituir programas e impor coordenação de programas ao Sistema Único de Saúde, ao revés, essa atribuição é da direção nacional do Sistema Único de Saúde, vejamos;

Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:

I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;

II - participar na formulação e na implementação das políticas;

III - definir e coordenar os sistemas:

VIII - estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano;

XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;

XVII - acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais;

XVIII - elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal;

No mesmo sentido, o Poder Legislativo municipal cria obrigações à Administração municipal. Embora meritório o incentivo do Legislativo local, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional vigente, uma vez que a norma diz respeito a atos inerentes à função do poder executivo, institui obrigações as unidades administrativas integrantes do poder executivo municipal.

Com efeito, a forma de prestação de serviços públicos é matéria de preponderante interesse do Poder Executivo, já que é a esse Poder que cabe a responsabilidade, perante a sociedade, pela eficiência da Administração, inclusive, nos termos da Lei Orgânico do Município de Corumbá.

Sendo assim, a iniciativa do processo legislativo para criação de políticas públicas, funcionamento de serviços municipais e atribuições às secretarias municipais é privativa do Poder Executivo, pois, como assinala Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (Do Processo Legislativo, São Paulo, Saraiva, p. 204).

Por esse motivo, a Constituição Estadual, no inciso IX, do art. 89, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública e, consequentemente, sobre os serviços públicos por ela prestados, direta ou indiretamente. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 17, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios.

As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.

Neste sentido, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).

Assim sendo, se a Constituição atribuiu ao Poder Executivo a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos, é evidente que, pela teoria dos poderes implícitos, a ele deve caber a iniciativa das leis que tratem sobre a matéria. Essa teoria dos poderes implícitos - implied powers - surgiu no voto de Marshall, proferido no leading case McCulloch versus Maryland, de 1819, afirmando que, quando o Governo recebe poderes no sentido de cumprir certas finalidades estatais, dispõe também, implicitamente, dos meios necessários de execução. “Se o governante tem atribuições para praticar certos atos, cabe-lhe igualmente exercer aquelas que possibilitem seu exercício” (Caio Mário da Silva Pereira, em “Pareceres do Consultor-Geral da República”, v. 68, pp. 99-100).

Por fim, verificou-se ainda que o Projeto de Lei ora apreciado não indicou a fonte de financiamento para suportar as despesas para cumprimento e desenvolvimento da atividade, mas tão somente que as despesas decorrentes do PL serão suportados pelo orçamento do Ministério da Saúde, sendo assim impossível, conforme detalhado em parágrafo anterior.

A presente proposição não cumpriu com a determinação constante no artigo 113, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assim prevê:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Sobre o tema, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000), menciona que:

Art. 5º O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:

II - será acompanhado do documento a que se refere o http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado;

E, mais. A Constituição Estadual, em seu art. 123, estabelece o seguinte:

Art. 165. É vedado:

I - iniciar programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

Neste sentido, em que pese a louvável intenção do Parlamento municipal em promover a qualidade de vida, a inconstitucionalidade dos dispositivos do Projeto fica evidente, uma vez que traz um conjunto de ações e atribuições que impõe as unidades administrativas, impõe obrigações ao Ministério da Saúde, inclusive, não aponta reserva de orçamento para cumprimento do PL.

Assim sendo, para o devido atendimento às determinações citadas no Projeto de Lei ora apresentado deveria constar a estimativa do impacto orçamentário-financeiro a ser causado pela implementação de tal medida.

III. DISPOSITIVO FINAL

Diante dos apontamentos acima alinhados, o Projeto de Lei não pode ser sancionado, vez que, em assim sendo, estar-se-á legislando sob a égide da ilegalidade, em razão de padecer de vício de inconstitucionalidade formal, razão pela qual apresento veto integral e total ao Projeto de Lei em questão, rogando aos Senhores Vereadores sua manutenção pelas razões ora expostas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CORUMBÁ,

EM 21 DE NOVEMBRO DE 2022

MARCELO AGUILAR IUNES

PREFEITO DE CORUMBÁ